Para quem acompanhou o relato tocante de Myriam Rawick no livro O Diário de Myriam sobre a sua vivência na Guerra da Síria, encontramos em Refugiados um outro ponto de vista dos afetados pelas guerras atuais. A autora Kate Evans nos conta em um quadrinho jornalistico a realidade dos refugiados em sua grande maioria da África e Oriente Médio, que se viram obrigados a deixar uma vida inteira para trás, enquanto almejavam de alguma forma, se estabelecer no Reino Unido.
Contexto Histórico
As rendas que encontramos no projeto gráfico da HQ nos envia a uma outra época da cidade de Calais. Foi durante o século XIX, pelas mãos de imigrantes que ali se estabeleceram, que a cidade ficou conhecida por sua histórica indústria de rendas.
No entanto, a partir de 1999, atraídos pela possível travessia pelo Canal da Mancha para chegar ao UK, começam a surgir os primeiros acampamentos de refugiados no meio da zona portuária de Calais. A Selva como é conhecido, é o mais famoso deles estabelecido de 2015 a 2016, uma verdadeira cidade dentro da outra, sem o menor saneamento ou condições razoáveis de sobrevivência para seus habitantes, um verdadeiro retrato da maior crise humanitária do século: A crise dos refugiados.
Refugiados | Kate Evans
Os traços de Kate Evans, a meu ver, não são os dos mais belos, é difícil falar sobre esses aspectos artísticos sem cair em gostos pessoais, mas acredito que o mais importante o seu trabalho conseguiu transmitir: sua arte visceral nos revela uma verdade nua e crua. Após nos deparar com a realidade da Selva, é impossível nos esquivarmos e não nos envolver e sensibilizar com a triste história ali representada.
Kate foi voluntária participando de diversas ações para levar alimento, roupa, remédios e um pouco de cultura e arte para o alojamento. Através de depoimentos reais, ela constrói uma narrativa de modo a humanizar os imigrantes, dar um nome, um rosto para essas pessoas e quebrar a distância que existe em meros relatórios estatísticos sobre a crise de refugiados na Europa.
Apesar do tom pesado da Graphic Novel, Refugiados: A Última Fronteira nos mostra que mesmo em situações das mais adversas o ser humano ainda encontra lugar para a generosidade e acolhimento. Há passagens muito bonitas que nos fazem sentir uma pontinha de esperança na humanidade.
Por outro lado, a HQ se mostra de difícil digestão quando nos deparamos com os excessos e injustiças cometidos pela Polícia Francesa no local, dos grupos de perseguição aos imigrantes, assim como, as mensagens de texto recebidas pela autora em crítica ao seu trabalho voluntário, de conteúdo extremamente preconceituoso e xenofóbico. É de dar ainda mais repulsa quando conseguimos traçar um paralelo a discursos que encontramos em nosso próprio país em vista das últimas eleições. Deixo aqui alguns exemplos:
Esses lindos bebês refugiados viram adultos desprezíveis que querem destruir o nosso país e tudo que tem nele.
Se você acha que eles são refugiados você está seriamente iludida. São imigrantes econômicos. Como você pode dizer que os chamados “refugiados” em Calais são candidatos a asilo de verdade? 99% são aventureiros tentando burlar o sistema.
Em uma página com relatos dos refugiados de Calais, encontramos depoimentos fortes, que nos dão uma amplitude maior da situação, o contexto geral é bastante desolador.
Não tenho passado nem futuro nesse momento. Sinto que estou vivendo como um pássaro, sem lar fixo. Meu coração está por um triz o tempo todo e eu estou sempre tremendo sem saber o que vai acontecer a seguir.
Há noites em que acordo mais de uma vez para lavar a boca ao me lembrar do que eles fizeram comigo e de como me abusaram.
Deixar tudo para trás. Deixar seus entes queridos e não saber o que vai acontecer com eles. Tive sorte. Sou grata por estar viva, mas fico pensando: “Sabe de uma coisa? Por que eu ainda estou viva? Qual é o sentido de estar sozinha no mundo?”
Eu confesso que me senti mal por estar alheia a essa realidade. Eu pouco ou nada sabia sobre o campo de refugiados de Calais, e sua condição de vida deplorável, durante mais de uma década da existência da ocupação. Fica tão claro que, por mais que tentemos nos engajar em algumas causas, continuamos vivendo em uma bolha, ou pelo menos, posso afirmar isso em relação a mim.
É um quadrinho que serve para nos despertar, inclusive em relação as condições dos imigrantes de países como a Venezuela para o Brasil. É importante refletirmos sobre esse assunto e nesse contexto, essa HQ é sim uma indicação para todos.
Vocês já conheciam? O que pensam sobre a crise dos refugiados mundo afora? Até mais pessoal.
Nota: ☆☆☆☆ | Título: Refugiados: A Última Fronteira | ISBN: 8594541295 | Ano: 2018 | Especificações: 176 páginas | Editora: Darkside Books | Comprar: Amazon
Lembrar desse livro me deixa com uma aperto no peito. É muito triste pensar em quantas vidas foram perdidas ou são esquecidas ainda hoje, como se as pessoas que estão procurando abrigo em outros países fossem menos que seres humanos!
Eu amei as suas fotos e a forma sensível como você escreveu <3
Verdade, foi bem impactante pra mim também, viu? :/