Assim que virei as últimas páginas do livro o meu impulso foi o de querer recomeçar denovo, pra refletir um pouco mais sobre essa sociedade distópica e assegurar que não deixei nenhum detalhe passar despercebido.
Eu li o livro antes de assistir a série, mas com a história ainda bem fresquinha na cabeça, pude notar cada mínima diferença realizada na adaptação, porém, a meu ver a primeira temporada é bastante fiel a trajetória do livro, preenche algumas lacunas deixadas pela narrativa e consegue transmitir a realidade opressora que encontramos em cada virar de página da obra de Margaret Atwood.
Somos receptáculos, somente as entranhas de nossos corpos é que são considerados importantes. O exterior pode se tornar duro e enrugado, pouco lhes importa, como a casca de uma noz.
O Conto da Aia | Contexto Histórico
Em O Conto da Aia os Estados Unidos que conhecemos não existe mais, em seu lugar fundou-se através de um golpe a extremista República de Gilead, um estado patriarcal pautado no fanatismo religioso, que dividiu a sociedade por castas bem definidas e cerceou os direitos de inúmeras classes menos favorecidas, principalmente os direitos das mulheres, que perderam a sua independência e em alguns casos, a sua própria individualidade.
Nessa nova ordem mundial a procriação é vista como algo divino, um milagre. Essa ideia firmou-se após a diminuição drástica da taxa de natalidade, muitas mulheres ficaram inférteis e aquelas que ainda preservaram a sua capacidade de concepção, passou a serem vistas como propriedade do estado, no qual, a sua única função seria a ‘dádiva’ de gerar vida.
Ignorar não é a mesma coisa que ignorância. Você tem de se esforçar para fazê-lo.
Para adequar-se ao propósito desse novo governo, mulheres que antes levavam uma vida completamente normal, foram caçadas e destituídas de qualquer direito. A partir de então, foram submetidas a um rigoroso treinamento de lavagem cerebral, liderados por mãos de ferro pelas chamadas Tias.
Ilustrações by Anna e Elena Balbusso
Melhor nunca significa melhor para todo mundo (…) sempre significa pior, para alguns.
No alto escalão da sociedade temos os Comandantes, homens de influência e alto poder aquisitivo, sendo muitos deles, responsáveis pela arquitetação do golpe que gerou essa nova realidade. Suas Esposas são mulheres restritas a administração do lar, que distribuem ordens as Martas, mulheres encarregadas aos trabalhos domésticos, e depositam em suas Aias, além de seu rancor, a esperança de terem uma criança aos seus cuidados.
Pautada na religião o sistemático estupro da aia é visto como uma ilustre cerimônia, na qual, as esposas também participam. O ato é fundamentando em uma passagem bíblica, justamente por isso o grupo que toma o poder se autointitula “Filhos de Jacó”.
Vendo Raquel que não dava filhos a Jacó, teve inveja de sua irmã, e disse a Jacó: Dá-me filhos, se não morro (…)
E ela disse: Eis aqui minha aia Bila; coabita com ela, para que dê à luz sobre meus joelhos, e eu assim receba filhos por ela” (Gênesis)
Offred
A história é contada pelo ponto de vista de Offred ou (of Fred / do Fred), tendo até o seu próprio nome roubado, ela é como a nomenclatura diz, a propriedade do comandante e sua esposa, pelo menos, até o momento em que cumprir a função de gerar um filho. O seu conhecimento dos fatos são limitados e isso é transmitido diretamente ao leitor, que precisa completar por meio de suposições as lacunas deixadas na narrativa.
A esta altura estou acabada, exausta. Meus seios estão doloridos, secretando. Leite falso, isso acontece com algumas de nós. Sentamo-nos em nossos bancos, umas de frente para outras, enquanto somos transportadas; agora estamos destituídas de emoção, quase destituídas de sentimento, poderíamos ser trouxas de tecido vermelho. Sofremos a dor da falta. Cada uma de nós segura no colo um fantasma, um bebê fantasma.
O sentimento de opressão é forte, por isso, o livro não foi de fácil leitura para mim. Embora ficasse cada vez mais envolvida com a trajetória de Offred e os rumos que a história estava levando, devorei os capítulos aos poucos. Muitas passagens foram capazes de me deixar com um sabor amargo na boca.
O mais impressionante é pensar na maneira com que essa sociedade se formou e conseguir de certa forma, imaginar isso acontecendo em nossa sociedade atual. Direitos conquistados após anos de luta são eliminados de uma forma repentina e irrevogável, a constituição perde o seu valor e todos que não aceitam ou não se enquadram nessa nova ordem são silenciados.
Lançado em 1985, O Conto da Aia é uma história que permanece bastante atual. Uma distopia baseada na religião, foi algo muito inteligente. A obra foi tão impactante para mim quanto os clássicos 1984 e Admirável Mundo Novo. A identificação que temos com a Offred ajuda muito no nosso envolvimento com a história, afinal, ela pode representar qualquer uma de nós.
The Handmaid’s Tale | Poster da Série
Os últimos capítulos são bastante intensos e o final em aberto me deixou desnorteada. Porém, temos um capítulo extra, em formato de transcrição de uma palestra sobre a sociedade de Gilead feita 200 anos após o ocorrido, no qual, captamos mais informações sobre o destino da protagonista.
Nesse contexto a série fornece um material complementar muito bacana. A primeira temporada nos apresenta mais fragmentos do passado de Offred. Vemos os fatos pelo ponto de vista de outros personagens, além do aprofundamento da personalidade das figuras principais da história e do funcionamento dessa sociedade.
O texto ficou longo, mas gostaria muito de deixar registrado as minhas impressões sobre a obra. É aquele tipo de livro que nos abre os olhos e precisa chegar ao maior número de pessoas.
Em breve vou conferir a segunda temporada de The Handmaid’s Tale, e mesmo sabendo que a história continua além do que foi mostrado no livro, estou bastante interessada em continuar acompanhando o rumo e o desfecho dessa trama que mexe tanto com o nosso psicológico.
Vocês já leram ou assistiram a série? Quais as suas impressões sobre a história?
Nota: ☆☆☆☆☆♡ | Título: O Conto da Aia | ISBN: 9788532520661 | Ano: 2017 | Especificações: 368 páginas | Editora: Rocco | Comprar: Amazon
Nossa fiquei muito curiosa para ler esse livro. Gosto muito desse tipo de historias que causa repulsa e revolta na maioria das pessoas.
Realmente como o mundo anda actualmente, não é tão difícil assim imaginar uma situação onde os direitos que conquistamos ao longo dos séculos sejam jogados fora, confesso que é uma situação que já me passou pela cabeça.
Oi Renata, essa é a principal reflexão do livro mesmo, como as coisas podem mudar rapidamente até chegar em um extremo como esse. O paralelo com a nossa realidade é assustador.
essa historia é sensacional! eu vi a primeira temporada da serie na epoca que passou e logo depois li o livro, e achei que essa primeira temporada foi maravilhosamente fiel ao livro e ainda cobriu algumas lacunas do mesmo. a segunda temporada eu nao gostei do final ahahaha e ja estou ansiosa pela terceira
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Eu estou começando a ver a segunda temporada agora Lívia, então ainda não tenho uma opinião.
É um livro que me marcou muito, uma leitura essencial…
Eu queria tanto que as pessoas desses uma oportunidade para essa leitura ou a série.
Ela reflete tanto o que estamos vivendo =/
Verdade, é aquele tipo de obra que são essenciais!
Dai, estou na segunda temporada da série, quase finalizando (acho que faltam 4 capítulos para mim).
Tenho muita vontade de ler o livro, mesmo tendo visto já a primeira temporada. Eu tenho um sentimento muito estranho em relação à essa série. Muitas pessoas me relataram ter passado mal. Apesar de ter sim uma atmosfera nauseante e momentos chocantes eu não senti tanto assim. Não é nem questão de insensibilidade sabe, eu não sei explicar. Enfim. Eu considero essa história, até o momento, um grande tapa na cara da sociedade. A gente vive essa realidade em doses homeopáticas, a verdade é essa. :/
É uma série que nos deixa bem desconfortáveis né Grazy, e como você bem colocou a verdade é que recebemos doses diárias disso tudo.
Recomendo muito o livro mesmo pra quem já acompanhou a história pela série.
É uma reflexão bem necessária na atual situação que o país vem enfrentando :/
Não li o livro, mas assisti as duas temporadas da série esse ano. Os primeiros episódios eu assisti num voo de volta do Brasil em fevereiro desse ano, logo após ouvir no rádio o Temer decretando intervenção militar no RJ. Nem preciso comentar tudo que já aconteceu depois disso… A série é maravilhosa e aterrorizante. As declarações dos ministros escolhidos pelo presidente eleito me remetem cada vez mais a essa distopia. Tempos sombrios…
Foi uma leitura intensa e angustiante, realmente tudo o que está ocorrendo na atualidade desse país, deixa a gente com a sensação de estarmos cada vez mais próximos de algo parecido com isso :/